Será que somos energizados por Deus a realizar tanto o seu querer e efetuar? Será que seria correto usarmos a palavra “energia” nessa questão?
O primeiro passo que devemos fazer é procurar o significado correto da palavra. O texto que vamos analisar é:
Filipenses 2:13: Porque Deus é o que ‘opera’ em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.ARA
Nova Versão Internacional
pois é Deus quem opera em você para o querer e agir a fim de cumprir seu bom propósito.
New Living Translation
Pois Deus está trabalhando em você, dando-lhe o desejo e o poder de fazer o que Lhe agrada.
Versão Inglês Padrão
pois é Deus quem opera em você, tanto para querer como para trabalhar para sua boa vontade.
Bíblia de estudo bereana
Pois é Deus quem opera em você para querer e agir em nome de Seu bom propósito.
Bíblia Literal Bereana
Pois Deus é Aquele que trabalha em você tanto para querer como para trabalhar de acordo com Sua boa vontade.
New American Standard Bible
pois é Deus quem está trabalhando em você, tanto para querer como para trabalhar para Sua boa vontade.
Nova Versão King James
pois é Deus quem opera em você tanto o querer como o fazer para Sua boa vontade.
Bíblia King James
Pois é Deus que opera em você tanto o querer como o fazer, segundo a sua boa vontade.
Bíblia Cristã Padrão
Pois é Deus quem está trabalhando em você tanto para querer como para trabalhar de acordo com seu bom propósito.
Versão contemporânea em inglês
Deus está trabalhando em você para torná-lo desejoso e capaz de obedecê-lo.
Tradução de boas novas
porque Deus está sempre trabalhando em você para torná-lo desejoso e capaz de obedecer ao seu próprio propósito.
Bíblia Holman Christian Standard
Pois é Deus quem está trabalhando em você, capacitando-o tanto a desejar quanto a realizar Seu bom propósito.
Versão Padrão Internacional
Pois é Deus quem está produzindo em você o desejo e a capacidade de fazer o que lhe agrada.
Bíblia NET
pois aquele que produz em você tanto o desejo quanto o esforço - por causa do seu beneplácito - é Deus.
Nova Bíblia em Inglês do Coração
Pois é Deus quem opera em você tanto o querer como o trabalhar, para sua boa vontade.
Bíblia aramaica em inglês simples
Pois Deus está trabalhando cuidadosamente em você tanto para desejar quanto para fazer aquilo que deseja.
Tradução de GOD'S WORD®
É Deus quem produz em você os desejos e ações que o agradam.
New American Standard 1977
pois é Deus quem está trabalhando em você, tanto para querer como para trabalhar para Sua boa vontade.
Bíblia King James 2000
Pois é Deus quem opera em você tanto o querer como o fazer, segundo a sua boa vontade.
American King James Version
Pois é Deus que opera em você tanto o querer como o fazer, segundo a sua boa vontade.
American Standard Version
pois é Deus quem opera em você tanto o querer como o trabalhar, para sua boa vontade.
Bíblia Douay-Rheims
Pois é Deus quem opera em você, tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.
Tradução da Bíblia Darby
pois é Deus quem opera em você tanto a vontade como a operação segundo [sua] boa vontade.
Versão Revisada em Inglês
pois é Deus que opera em você tanto o querer como o trabalhar, para sua boa vontade.
Tradução da Bíblia de Webster
Pois é Deus quem opera em você tanto o querer como o fazer, segundo a sua boa vontade.
Novo Testamento de Weymouth
Pois é o próprio Deus cujo poder “cria” dentro de você o desejo de fazer Sua vontade graciosa e também traz a realização do desejo.
Bíblia Inglesa Mundial
Pois é Deus quem opera em você tanto o querer como o trabalhar, para sua boa vontade.
Tradução literal de Young
pois Deus é quem está trabalhando em você tanto para querer como para trabalhar para Sua boa vontade.
Em inglês, está apalavra “Works”
A palavra “opera” no grego é “ἐνεργῶν” que vem da raiz “ενεργεω” “energeo” que significa:
1. trabalhar, estar trabalhando, operar, ser efetivo at Mc 6.14; Gl 2.8; Ef 2.2. το θέλειν και το έ. α vontade e a ação
Fp 2.13b. Méd. trabalhar Rm 7.5; 2 Co 4.12; Ef 3.20; 1 Ts 2.13; tornar-se efetivo 2 Co 1.6. δέησις έ. poder efetivo Tg
5.16.
2. trabalhar, produzir, efetuar 1 Co 12.6; Ef 1.11; 2.2; Fp 2.13a.[1]
“ἐνεργῶν” está no masculino e no genitivo plural, ou seja uma ideia de posse. O sujeito da frase é “Θεὸς” “Deus” é ele que tem todo poder para operar na vida dos seus filhos o seu querer e o realizar. Vem da palavra “ενεργης” “energes” de onde vem a palavra que conhecemos como energia. Ela é a junção de “εν en” uma preposição primária denotando posição (fixa) (de lugar, tempo ou estado), e (por implicação) instrumentalidade (mediana ou construtivamente), i.e. uma relação do descanso e “εργον ergon” uma palavra primária (mas absoleta) ergo (trabalhar). Significa:
1) negócio, serviço, aquilo com o que alguém está ocupado.
1a) aquilo que alguém se compromete de fazer, empreendimento, tarefa
2) qualquer produto, qualquer coisa efetuada pela mão, arte, indústria, ou mente.
3) ato, ação, algo feito: a ideia de trabalhar é enfatizada em oposição àquilo que é menos que trabalho.[2]
Será que seria correto usar a palavra “energia” neste texto? Ficaria assim:
Porque Deus é o que “energiza” em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.
Ficaria um pouco estranho não? Muito estranho! Segundo o Dicionário Aurélio de português, energiza é:
Energiza vem do verbo energizar.
1. Passar energia ou emanar energia.
2. Fazer com que algo ou alguém se torne energético.
3. Fazer que uma corrente elétrica atravesse um circuito.
Muitos usam a palavra energia no sentido de potência. Isso vem de uma certa influência aristotélica de interpretação. Não podemos usar a filosofia aristotélica para adaptarmos termos que parecem confusos nas escrituras. Precisamos da exegese.
O pensador grego Aristóteles entrou para a história da filosofia como um mestre na arte do pensamento. Na teoria sobre Ato e Potência ele foi o pioneiro em estabelecer para “o ato” aquilo “que é”, enquanto para “a potência” ele formulou a categorização do que “poderia vir a ser”.
Para o também filósofo grego Parmênides o movimento era apenas uma ilusão dos nossos sentidos, pois se houvesse as coisas deixariam de serem elas mesmas, tudo é eterno. Já para Heráclito tudo está em constante movimento, pois as coisas mudam e nada dura para sempre. Platão tentou conciliar a teoria destes dois filósofos com a teoria do mundo dos sentidos e do mundo das ideias. No mundo dos sentidos tudo está em constante mudança e não é eterno, este é o mundo que habitamos. Já no mundo das ideias nada muda e tudo que existe é eterno, são as ideias das coisas e por isso, o mundo dos sentidos é abstrato.
Aristóteles também retoma este problema, já que para ele o mundo das ideias de Platão é uma cópia daquilo que os nossos sentidos fornecerem. Isto é, todo conceito, ou ideia que temos das coisas, primeiro passou pelos nossos sentidos, por exemplo, só formamos a ideia cadeira após termos o contato com vários tipos de cadeiras.
Aristóteles tentou questionar a realidade em si, procurou analisar a realidade que não muda, entende que o movimento existe e que está dentro da própria coisa, mudando sua forma, mas não sua matéria. Vejamos melhor.
Ato é potência
O Ato – a manifestação atual do ser, aquilo que ele já é (por exemplo: a semente é, em ato, uma semente)
A Potência – as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas que pode vir a ser (por exemplo: a semente é, em potência, a árvore).
A semente em ato, ou seja, aquilo que já é, é uma semente. Mas em potência, isto é, ela se colocada numa terra boa e ter todas as condições suficientes para se desenvolver, pode tornar-se uma árvore.
A árvore em ato continua uma árvore, mas ela pode tornar-se com ajuda de fatores externo, do homem, por exemplo, um lápis, uma mesa, uma casa, ou ainda pode dar flores e frutos. A forma ou o formato mudou, mas a matéria não mudou.
Ele diz: “cada desejo, por sua vez, persegue um objetivo: o objeto mesmo do desejo é princípio do intelecto prático; o termo final do raciocínio é o princípio da ação. É portanto, a justo título que essas duas faculdades são vistas como motoras: desejo e pensamento prático; pois o objeto do desejo é motor, e se o pensamento, por sua vez, é motor, é porque o objeto do desejo é seu princípio. Do mesmo modo, a imaginação, quando ela move, não move sem desejo. Único, portanto, é o motor, a faculdade do desejo.”[3]
Será que Paulo estava sendo influenciado pela filosofia de Aristóteles? Será que a energia está dentro da própria pessoa, muda sua forma ou conduta, mas não sua matéria?
Será que Deus apenas potencializa o homem com uma certa energia cósmica fazendo com que muda sua caminhada, agora andando e fazendo a vontade de Deus mas a sua matéria continua a mesma? Não cremos de forma alguma nisso!
Apesar da palavra grega que Paulo usou dar continuidade na palavra energia, não era isso que Paulo tinha em mente. Todo o poder está em Deus que “opera” ou “causa” na pessoa para que ela realize a vontade de Deus.
Entendemos que usar a palavra “energia” pode dar outro significado ao texto e que isso é pura influência da filosofia aristotélica. Não podemos simplesmente usar uma palavra que é normal no nosso cotidiano e aplicar no texto bíblico para somente favorecer nossa posição. D.A. Carson chama isso de falácia do anacronismo semântico. Ele diz: “Esta falácia ocorre quando um significado mais recente de certa palavra é transportado para a literatura antiga. No nível mais simples, isso acontece dentro da mesma língua, como quando os pais da igreja primitiva grega usam uma palavra de uma forma não comprovadamente imaginada pelos escritores do Novo Testamento. E óbvio, por exemplo, que o emprego que eles fazem de episkopos (bispo), para designar um líder religioso que mantém o controle de diversas igrejas locais, não tem qualquer fundamento neotestamentário.”[4]
Ele continua: “Contudo, o problema apresenta um segundo aspecto quando acrescentamos também uma mudança de língua. A palavra dinamite deriva etimologicamente de dunamis (poder, ou mesmo milagre). Não sei quantas vezes já ouvi pregadores apresentando a seguinte versão de Romanos 1.16: "Pois não me envergonho do evangelho, porque é a dinamite de Deus para a salvação de todo aquele que crê" — geralmente fazendo um afetado gesto com a cabeça, como se algo profundo ou até esotérico tivesse sido proferido. Isto não é somente uma repetição da velha falácia do radical. É algo pior: é uma reivindicação de um tipo de etimologia reversa, uma falácia do radical combinada com o anacronismo. Será que Paulo pensou em dinamite quando colocou no papel esta palavra?”[5]
Mais uma vez ele diz: “Independentemente do anacronismo semântico, portanto, a dinamite parece inadequada como meio de ressuscitar a Jesus dos mortos ou de nos tornarmos semelhantes a Cristo. Claro, ao falar de dinamite, os pregadores estão tentando dar alguma indicação da grandeza do poder envolvido. Mesmo assim, a intenção de Paulo não é a dinamite, mas o sepulcro vazio. Exatamente da mesma forma, é um grave anacronismo semântico notar que na passagem que diz "Deus ama a quem dá com alegria" (2 Co 9.7) a palavra grega que originou "com alegria" é ilaron (hilaron), e daí concluir que aquilo que Deus realmente ama é o doador hilariante. Talvez devêssemos colocar uma fita com uma gravação de risadas enquanto as salvas estão circulando.”[6]
F. F. Bruce corretamente afirma que o Espírito realiza o que a lei não consegue realizar: a lei poderia dizer às pessoas o que deveriam fazer, mas não podia suprir-lhes o poder, nem mesmo a vontade de fazê-lo; o Espírito supre ambas as coisas (Rm 8.3,4; 2Co 3.4-6).[7]
Podemos ver que dar esse sentido de “energizar” fica completamente sem sentido daquilo que Paulo quer ensinar. Deus opera em nós o seu querer no sentido de vamos realizar sua vontade, não que ele “potencializa” ou “energiza” a nossa vontade. Nesse sentido fica parecendo que seremos iguais a Deus em poder, porque ele transfere sua energia a nós para a realização do trabalho.
Matthew Henry diz: “Ele dá toda a capacitação. E a graça de Deus que inclina a vontade para aquilo que é bom, e então nos capacita a realizá-lo e a agir de acordo com os princípios bíblicos. “Tu és o que fizeste em nós todas as nossas obras” (Is 26.12). “...segundo a sua boa vontade”. Uma vez que não há força em nós, também não há mérito em nós. Uma vez que não podemos agir sem a graça de Deus, também não podemos reivindicá-la, nem achar que a merecemos. A boa vontade de Deus para conosco é a causa da sua boa obra em nós; e Ele não tem nenhuma obrigação em relação às suas criaturas, além de suas graciosas promessas.”[8]
Clark comenta: “É interressante notar que enquanto Hume negava todos os milagres, houve um muçulmano medieval que antecipou os argumentos de Hume contra a causalidade e concluiu que todo evento é um milagre. Visto que nenhuma sensação pode ser a causa de outra sensação, todo evento é imediatamente causado por Deus [...]A segunda réplica que o apologeta provavelmente daria é que um cristão tal como eu deve reconhecer que Deus causa todas as coisas. De fato, isto eu reconheço com toda certeza; mas o significado do termo causa foi drasticamente mudado. Começamos falando sobre dois eventos no mundo espaço-temporal: o bastão causou a bola passar por cima do muro, mastigar a comida na boca causou o nutrimento, uma bala causou a morte do Arquiduque. Mas agora o apologeta empirista começa a falar sobre Deus causando tudo. Nós agora concordamos com o islâmico e anti-aristotélico Al-Ghazali: Deus e Deus somente é a causa, pois somente Deus pode garantir a ocorrência Y, e de fato a de X também. Até mesmo os teólogos de Westminster timidamente concordaram, pois após afirmar que Deus pré-ordena tudo o que acontece, e que “nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42:2), eles adicionam: “Embora... todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam conforme a natureza das causas secundárias...”. O que eles chamam de causas secundárias, Malebranche tinha chamado de ocasiões. Mas uma ocasião não é um fiat lux, nem uma equação diferencial.
Finalmente, visto que todas as leis da física são falsas – como sua história indica – e visto que a Escritura não ensina o mecanicismo, mas afirma que o mundo é governado teleologicamente por propósitos que não podem ser restringidos nem entendidos, como René Descartes deixou claro, o empirismo com seu argumento cosmológico deve ser abandonado.”[9]
Vincent Cheung acerta nisso: “Assim como Deus nos salvou fazendo com que nossa vontade afirmasse o evangelho, ele continua a controlar a nossa vontade, por meio do que Deus desenvolverá seu caráter e seu propósito em nossas vidas.
Embora a vontade não seja livre, no sentido de que ela nunca é livre do controle de Deus, ela ainda é uma genuína função da mente, de forma que à medida que Deus opera através da nossa vontade para efetuar a santificação, nós continuamos a estar cientes de fazer escolhas difíceis e cônscias na luta contra as tentações.”[10]
Ou seja, nossa vontade não é livre de Deus, e Deus não a energiza para fazer a sua vontade, na verdade ele controla ela. É simples assim. Procurar desenvolver essa ideia de energia, fica parecendo algo místico no sentido esotérico. Esse tipo de causação e controle sobre as nossas vontades é algo contínuo onde Deus opera sempre. Concordo com o Vincent Cheung que diz “É comum afirmar que Deus não cria mais nada, especialmente a partir do nada, pois é dito que Ele descansou no sétimo dia. Esta é uma interpretação injustificada. No entanto, às vezes é usada com descuidada confiança, de modo que, por exemplo, supõe-se que Jesus nunca restaurou partes ausentes do corpo em seus milagres de cura, pelo menos [não] sem usar materiais existentes, porque isso envolveria a criação. Existem um número de outras aplicações improváveis. Em qualquer caso, o resto do sétimo dia é dito apenas em relação ao trabalho realizado nos seis dias anteriores. Não há indicação de que Deus estaria em descanso para sempre. De fato, Jesus disse que o Pai nunca havia parado de trabalhar e disse isso em conexão com o sábado (João 5:17). [Portanto], não há base para dizer que Deus não vai criar de novo, mesmo do nada, ou que Ele não tenha feito isso.”[11]
Termino dizendo que, não escrevi para denegrir ninguém apenas por algo que achei um pouco complicado de aceitar certo termo. Devemos analisar a palavra no original grego levando em conta todo o contexto da frase, contexto histórico e gramatical. Não podemos usar de anacronismos. Não é porque a palavra energia veio bem depois de uma palavra grega que é somente ela que se deve usar no texto bíblico.
[2] DICIONÁRIO BÍBLICO STRONG Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong pgs.1342,1343,1273
[3] De Anima 433a15-21
[4] Os Perigos da Interpretação Bíblica DA Carson p.28-29 Ed. Vida Nova
[5] Ibid
[6] Ibid
[7] Bruce, F. F. Filipenses, 1992: p. 91.
[8] Comentário de Filipenses Matthew Henry
[9] Capítulo 6 do livro O Senhor Deus da Verdade, Gordon H. Clark, Trinity Foundation, p. 23-27.
[10] COMENTÁRIO SOBRE FILIPENSES Vincent Cheung p.35
Muito bom. Grato por compartilhar.
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