A Importância Missiológica dos Exílios de Israel no Antigo Testamento: Uma Análise Histórico-Teológica e Filológica - Prof. Dangelo Sanggy Aparecido Silva Lopes

  BLOG EXPLICANDO A BÍBLIA : QUAL A FINALIDADE DO EXILIO BABILÔNICO

 

 

Introdução

 

O exílio, em suas diferentes fases (Assíria e Babilônia), constitui evento teológico central na Bíblia Hebraica. Não está relacionado apenas a um deslocamento geográfico, mas sim de uma hermenêutica que marca a compreensão de Israel sobre si mesmo, sua relação com Yahweh e sua missão perante as nações.

Este artigo, diferentemente de abordagens puramente históricas, propõe uma leitura missiológica-filológica, examinando termos hebraicos recorrentes na literatura exílica e pós-exílica e relacionando-os à vocação missionária de Israel 

 

1. Exílio e Teologia da Aliança: Aspectos Filológicos

 

O termo hebraico predominante para “exílio” é גָּלוּת (galut), derivado da raiz גלה (galah), que significa “descobrir, desnudar, remover, deportar”. O campo semântico sugere tanto a ideia de “desnudamento” (exposição à vergonha) quanto “remoção” (expulsão territorial). 

Em textos como 2Rs 17:23 e Jr 29:1, galut expressa a deportação como cumprimento das maldições da aliança. 

Teologicamente, o termo transmite a ideia de despojo da proteção de Yahweh, mas também de deslocamento para fins pedagógicos. 

Filologicamente, o contraste entre גָּלוּת (galut) (condição de exílio) e שָׁבוּת (shavut, “restauração”) em passagens como Jr 29:14 é fundamental. O par semântico “exílio–restauração” já contém em si uma função missiológica: o exílio como testemunho negativo (juízo) e a restauração como testemunho positivo (redenção).

 

2. O Exílio Assírio e a Internacionalização da Fé

 

No contexto assírio, o termo גּוֹיִם (goyim, “nações”) aparece repetidamente em profetas do século VIII a.C. (Am 9:11-12; Os 2:23). Originalmente, goy significava “povo” em geral, mas no uso profético pós-exílico o termo adquire forte conotação missiológica: Israel é colocado em meio aos goyim como testemunha. 

Um ponto filológico relevante: em Am 9:12, o hebraico fala de כָּל־הַגּוֹיִם (kol ha-goyim, “todas as nações”), termo que é retomado em At 15:17 (LXX) como panta ta ethnē. A tradução grega expande a conotação missiológica, preparando a inclusão dos gentios no Novo Testamento.

Portanto, o exílio assírio, ainda que fragmentado, já sinalizava uma universalização da fé por meio do contato linguístico e cultural com os goyim. 

 

3. O Exílio Babilônico: Vocabulário da Identidade em Diáspora

 

3.1 A fidelidade em contexto estrangeiro

 

Nas narrativas de Daniel, a expressão שֵׁם אֱלֹהִים (shem Elohim, “nome de Deus”) tem papel central (Dn 2:20; 9:19). A santificação do “nome” de Yahweh perante os reis babilônicos é essencialmente uma afirmação missiológica.

Nesse caso, Israel aprendeu a solidificar sua identidade em seu escopo social e principalmente religioso, de acordo com as palavras de Gerhard Von Rad;

 

“O exílio foi o momento em que Israel reinterpretou sua tradição de fé, passando de uma religião nacional para uma fé que poderia sobreviver sem instituições estatais e sem território.”

(Old Testament Theology, vol. 2, 1965, p. 291).

 

3.2 A santificação do nome entre as nações

 

Em Ez 36:23, a fórmula hebraica é explícita:

 

 וְקִדַּשְׁתִּי אֶת־שְׁמִי הַגָּדוֹל הַמְּחֻלָּל בַּגּוֹיִם (veqiddashti et-shemi ha-gadol hamechullal bagoyim)

“Santificarei o meu grande nome, que foi profanado entre as nações”. 

Aqui, o exílio é reinterpretado não apenas como juízo, mas como oportunidade de glorificação universal do nome divino. O paralelismo entre חִלֵּל (chillel, “profanar”) e קִדֵּשׁ (qiddesh, “santificar”) revela a dialética missiológica: o exílio expõe a profanação, mas também cria o espaço para a santificação.

 

3.3 O lamento e a esperança

 

No Salmo 137, a expressão שִׁיר־צִיּוֹן (shir Tsiyon, “cântico de Sião”) marca a identidade exílica. A recusa em cantar para os babilônios (v. 4) pode ser vista como preservação missiológica da autenticidade da fé: testemunhar não é assimilar, mas manter a diferença. 

 

4. O Pós-Exílio: Universalização e Missão

 

A literatura pós-exílica utiliza frequentemente o termo שָׁלוֹם (shalom), que vai além de “paz”, significando plenitude, bem-estar e reconciliação cósmica. Em Is 52:7, proclama-se: מַשְׁמִיעַ שָׁלוֹם ... מַשְׁמִיעַ יְשׁוּעָה (mashmia shalom... mashmia yeshu‘ah – “aquele que anuncia a paz... aquele que anuncia a salvação”).

Do ponto de vista missiológico, shalom representa o objetivo final da missão de Israel: levar a reconciliação divina às nações. O pós-exílio, portanto, já projeta a missão em chave universal. 

 

5. Implicações Missiológicas a Partir da Filologia

 

A análise filológica dos termos hebraicos sugere três implicações centrais:

 

1. גָּלוּת (galut) – o exílio como deslocamento pedagógico, que transforma a perda em missão. 

 

2. גּוֹיִם (goyim) – as nações como destinatárias da revelação, antecipando a universalização da fé 

 

3. שָׁלוֹם (shalom) – a meta última da missão: reconciliação universal em Yahweh. 

 

Assim, a filologia confirma que o exílio não é mero acidente histórico, mas elemento estrutural da teologia da missão no Antigo Testamento 

 

Conclusão

 

A análise histórico-teológica e filológica demonstrou que os exílios de Israel no Antigo Testamento possuem profunda relevância missiológica. O léxico hebraico associado ao exílio não apenas descreve fatos históricos, mas revela uma teologia da missão em meio ao sofrimento e deslocamento. 

O exílio assírio iniciou a dispersão de Israel entre as nações; o exílio babilônico consolidou a identidade missionária em contexto de diáspora; e o pós-exílio universalizou a vocação de Israel como luz para os povos.

Dessa forma, o exílio se configura como categoria teológica e missiológica que prepara o caminho para a missão cristã primitiva e oferece paradigmas para a Igreja contemporânea, chamada a testemunhar em contextos de deslocamento cultural e pluralidade religiosa.

 

Referências

 

GERHARD, V, RAD. Old Testament Theology, 1965.

 

ALBERTZ, R. Israel in Exile: The History and Literature of the Sixth Century B.C.E. Atlanta: SBL, 2003.

 

BRUEGGEMANN, W. Theology of the Old Testament: Testimony, Dispute, Advocacy. Minneapolis: Fortress Press, 1997.

 

HENGEL, M. The Pre-Christian Paul. London: SCM Press, 2001.

 

SMITH, R. L. The Religion of the Exile. Philadelphia: Fortress Press, 1989.

 

SWEENEY, M. The Prophetic Literature. Nashville: Abingdon Press, 2005.

 

WRIGHT, C. J. H. The Mission of God: Unlocking the Bible’s Grand Narrative. Downers Grove: IVP Academic, 2006.

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